Permito-me reproduzir aqui, na íntegra (sem prévia consulta e autorização, pelo que peço desde já indulgência em troco da publicidade!) o artigo do meu amigo e colega Francisco Martins, publicado na última edição do Terra Ruiva. Poderão encontrar a sua publicação on-line aqui.
Sendo pouco habitual publicar textos de outros, faço-o neste caso por me rever por completo na análise de FM e considerar que o artigo merece a maior divulgação possível. A bem do nosso melhor e maior esclarecimento.
Aqui vai:
Não é por deleite em defraudar as expectativas dos otimistas ou dos mais crentes, mas o ano que nos espera em 2012 será bem mais duro do que aquele que o precedeu. Portugal prosseguirá com o programa de resgate dos senhores da troika (Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional), aplicando-o na sua versão maximalista, sob a capa do "bom aluno", da passividade e da integral subserviência perante as imposições estrangeiras. A austeridade em doses industriais, reforçada à medida que os objetivos orçamentais se afastam, vai cavar a recessão económica
(-2,8%), e lançar a sociedade na pobreza e na desesperança. É insofismável que tanta austeridade, na ausência de um programa de crescimento económico, não vai resolver os problemas do défice das contas públicas, da dívida pública, do défice externo e da dívida externa. A dívida pública, não obstante a aplicação dos cortes estatais, o aumento geral de impostos, e as reprivatizações, não para de crescer, disparando para os 106% do PIB no final do próximo ano. A taxa de desemprego, o mais importante flagelo social, atingirá os 13,4%, desorganizando a vida a cerca de um milhão de portugueses, sendo apenas estancada pelo recurso extremo à emigração (120 mil novos emigrantes em cada ano que passa).
Em 2011, o objetivo de reduzir o défice orçamental para 5,9% do PIB já não foi conseguido, se não contarmos com o malabarismo da receita extraordinária proveniente da transferência de parte dos ativos dos fundos de pensões dos bancários, quedando-se efetivamente nos 7,5%. Para 2012 o governo e a troika pretendem reduzir o défice para 4,5% (7 556,9 milhões de euros) que significaria uma diminuição de 40,7% (5 180 milhões de euros), tarefa da natureza irrealista e ciclópica. Não é por acaso que nos meandros do governo e da troika já se fala na possibilidade de renegociar o valor do défice.
No contexto das medidas austeritárias, permanece a natureza assimétrica, desigual e iníqua, na repartição dos sacrifícios, orientação política seguida desde 2008, que começou com Sócrates e continua com Passos Coelho (o primeiro conduziu a nação ao precipício, o segundo ameaça dar o passo em frente, passe o humor negro). Os pobres, trabalhadores, classe média, função pública, pensionistas - numa expressão, os rendimentos do trabalho - pagam a parte esmagadora da fatura, originada e provocada pelos desmandos e ganância dos grandes grupos económicos e financeiros, fundidos no poder político, e pelo modelo (de endividamento) neoliberal que a todos impuseram. Nem a propósito. Um grupo de trabalho da insuspeita Comissão Europeia, que estudou e comparou os efeitos distributivos das medidas de austeridade adotadas pela Estónia, Irlanda, Grécia, Espanha, Portugal e Reino Unido, chegou a uma conclusão brutal: "Portugal é o único país com uma distribuição claramente regressiva" nos efeitos das medidas adotadas entre meados de 2008 e meados de 2011. Um aspeto curioso do estudo consistiu em demonstrar que é injustificado o medo da fuga do dinheiro dos ricos. A Irlanda e o Reino Unido fazem os ricos pagar a crise, e nem por isso sofreram fugas em massa do país. Em contraponto, no penúltimo dia de 2011, escapuliram de Portugal para a Holanda 4,6 mil milhões de euros, que só por si, ridiculariza o investimento chinês na compra de parte da EDP.
Em Portugal chegou-se ao ponto de tentar aumentar o horário semanal de trabalho em 2,5 horas na esfera privada. Esta proposta foi substituída e compensada recentemente em sede de "concertação social" com a concordância da UGT (!), por um conjunto de outras medidas, redução dos dias de férias e feriados, trabalho aos sábados, eliminação de folgas, banco de horas, pontes, redução do preço das horas extraordinárias ... que equivalem a volume considerável de trabalho anual gratuito (recuperando-se a figura da corveia que existia na idade média - trabalho gratuito prestado pelos servos ao senhor feudal), certamente, a bem do progresso, da competitividade e, sobretudo, da modernidade!
No quadro da dicotomia: (i) por um lado - o confisco dos subsídios de natal e de férias à função pública, aumento violento de impostos, cortes a eito na saúde, educação, segurança social, etc.; (ii) e por outro - a suavidade e a demora com que se lida com as mordomias e as remunerações principescas da nomenklatura, as fortunas e o grande capital que na primeira oportunidade, ao arrepio de declarações patrióticas em defesa dos sacrifícios (dos outros) e eliminação de direitos sociais, não se exime ao êxodo e ao lançamento de operações de evasão fiscal (imorais); não é descabido inferir que o ano novo, de novo nada nos trará. (por Francisco Martins)