21.12.09

Silves, a Fábrica e o Museu - uma opinião em carta aberta


Começo, naturalmente, com uma declaração de interesses: sou director do Museu da Cortiça da Fábrica do Inglês desde a sua fundação, sou um defensor do património histórico/cultural concelhio, sou por linhagem (pelo menos por um costado) e vontade própria silvense.

Começo também pelo fim, pelas conclusões, talvez as menos polémicas, mas essenciais. A cidade e o concelho teriam muito por que se envergonhar, durante muitos anos, se permitissem que o edifício/museu que é a Fábrica do Inglês caísse nas mãos dos seus credores, e estes, senhores de um activo que é para eles, infelizmente, somente e apenas um activo, dele fizessem o que bem entendessem. Como entendessem…

E isto significa tudo o que a imaginação nos permita. Desde o encerramento ad eternum do espaço com as previsíveis consequências que isso acarreta, à sua venda, penhora, ou mesmo o leilão de tudo o que ali reside da nossa memória colectiva. E esta, que eu saiba, nenhum de nós quer pôr à venda!

Recuso-me a chorar sobre leite derramado, e a procurar os culpados ou as culpas para a situação presente, como alguns agora procuram fazer, porque inútil e oportunista me parece a abordagem. Tenho a minha opinião, naturalmente e por razões óbvias até bem mais fundamentada do que a de outros, mas acho que essa agora nada resolve…e até acrescento, só para lembrar o que alguns esquecem no calor do debate: o que seria daquele espaço, e do seu incomensurável património, se em 1997 os privados não lhe jogassem mão? (o que se vê na foto acima, ou pior?) E digo mais, insuspeito que sou quanto a isso: o empreendimento estaria bem melhor de saúde, desde o início, se a autarquia não fosse PSD, também desde o início. Por muito que vos surpreenda isto que digo, esse é um dos problemas da “Fábrica”, o de ter nascido como se um projecto familiar fosse, na opinião de alguns, e não como um projecto privado que a autarquia deveria, pela sua dimensão, totalmente viabilizar. José Viola viabilizou-o ainda (fui testemunha), pessoal e institucionalmente, nos últimos dias em que foi presidente de Câmara. Quem lhe sucedeu, por pudor, falta de arrojo, dificuldades em “separar águas”, não soube lidar com a importância do que ali estava presente. A proximidade nem sempre facilita; por vezes complica as coisas. Sem quaisquer problemas o digo. Estou na Fábrica desde Abril de 1998…, ultimamente muito menos.

Mas sou pragmático. Está feito, feito está. O que temos agora é uma situação de facto que a cidade e o concelho, seja hoje ou mais tarde, sempre vai ter entre mãos. E não adianta adiar, antes pelo contrário, só vai tornar a situação mais complicada. Aliás, o adiamento de uma postura sobre o assunto a nível político local, não dando o mais que necessário sinal positivo a quem a qualquer momento poderá exercer os seus direitos enquanto credor, pode desencadear fatalmente os acontecimentos e comprometer de forma irreversível a integridade deste património municipal, a que eu e outros (leia-se o comunicado da ICOM-Portugal) não repugna qualificar como nacional.

Para que se tenha uma pequena ideia do que está em jogo, permitam-me que explicite. O edifício da Fábrica do Inglês, para além da sua bem conservada arquitectura original, por si só caso raro no panorama industrial português dos finais de Oitocentos, foi uma das principais fábricas portuguesas de transformação de cortiça. Conservando, até hoje, um incomparável espólio técnico e documental, que lhe valeu em 2001 o Prémio Luigi Micheletti para melhor museu industrial europeu, este espólio, só por si, faria pôr em alerta máximo qualquer silvense preocupado, qualquer político local, qualquer entidade regional ou nacional preocupada com a preservação da nossa memória e identidade. Não podia, nem pode, servir como arma de arremesso político, nem ajustes de contas que, enquanto nos entretêm, servem o interesse de outros menos preocupados com essas coisas “imateriais”. Mas que são, também, materiais e afectivas para muitos ainda vivos, e para outros que não o sendo, vivem através das memórias que as peças desse museu perpetuam. Quem irá explicar à D. Alzira, ao Sr. Francisco, ao Sr. Carlos, ao Sr. Custódio, e a muitos, muitos outros que fizeram desinteressadamente do Museu da Cortiça fiel depositário dos seus bens, o agora incerto destino destas suas memórias?

E não falem alguns do museu e da fábrica, como se duas coisas fossem! Não são. O Museu é a Fábrica, a Fábrica é o Museu. O Museu da Cortiça da Fábrica do Inglês, para além das várias peças que tem presentes em todo o espaço fabril, e que lhe pertencem, não tem vida para além daquele espaço. É um museu de sítio, preserva um sítio, e um património que está in situ, e é hoje único exemplar do que foi a Silves da época da indústria corticeira. Deslocar uma máquina que fosse da oficina rolheira, da Casa do Motor ou da Prensa é desvirtuá-lo, é matá-lo. Nenhuma solução pode pôr isso em causa.

Tenho ideias para soluções, mas não tenho uma solução. Tenho uma certeza, voltando ao início: a cidade e o concelho teriam muito por que se envergonhar, durante muitos anos, se permitissem que o edifício/museu que é a Fábrica do Inglês, e o que ele para todos nós representa, caísse nas mãos dos seus credores, e estes, senhores de um activo que é para eles, infelizmente, somente e apenas um activo, dele fizessem o que bem entendessem.Como bem entendessem!

E isso não é referendável, por favor!

P.S.- Outros (município e EMARP de Portimão), mesmo sem aviso prévio, já tiram partido do que é nosso.

5 comentários:

Tonnyy disse...

parabéns, apareceu alguem que sabe o que diz!!! o resto é uma carrada de BURROS!!!

Paciência de Job disse...

Sabe o que diz ou sabe dizer?

O Tonnyy é um simplório deslumbrado ou tem interesse pessoal no assunto?

A d. Alzira ,o sr. Custódio,o sr. Carlos e o sr. Francisco, sabiam que estavam desinteressadamente a por os seus bens em mãos de privados pouco sensiveis a assuntos de património?
Incrivel como ninguém impediu este crime,os sres. em questão nunca poderiam imaginar que estavam a pôr os seus bens em mãos de especuladores.

Os criminosos vão ser punidos ou já tem em mente outro espaço público para ocupar abusivamente, com o dinheiro desta jogada suja?

Então dr. Manuel Ramos,não sabe que o sr.Silva foi para a C.M.S. "pedinchar", sem esclarecer a vereação,convicto de que o facto de ter ou simplesmente de ser,são o bastante.
Dr. Manuel Ramos alguma vez acreditou nesta gente, com quem tem andado metido, na Fábrica do Inglês?
Se acreditou que estava a trabalhar com gente séria e preocupada com o bem comum,menos mal.Dificil acreditar...
Mas e se nunca acreditou ?
Terão o sr. Silva e o dr. Manuel Ramos de ir dar explicações a quem fez doações para o museu.
Alertaram os sres. para o facto de,ao doarem a um privado, esse poder vender e fazer o que bem entender ?
Ou cantaram a cantiga do bem comum do património histórico,etc?
Então conclui-se que enganaram os sres. que fizeram doações ao museu.

E os empregados da Alicoop,não sabe de situação semelhante dr. Manuel Ramos?
Neste caso não está implicado património histórico,não são necessárias tantas atenções.

Deixem-se de conversa fiada,estamos a lidar com gente que pouco ou nada se interessa pelo bem comum.
Todas estas conversas visam únicamente viabilizar a vigarice que se segue.

Manuel Ramos disse...

O que o senhor que cobardemente se esconde por trás do nome "Paciência de Job" diz é muito grave, disparatado, e já passível se ser considerado calúnia (chamar criminoso a algúem, sem provas, é isso mesmo).
Talvez não saiba, mas o seu IP (endereço do computador do qual escreve) pode a qualquer momento ser alvo de investigação por parte do MP, seja a meu pedido, seja por parte do queixoso. Para além disso, também não costumo admitir neste blogue este tipo de acusações anónimas e a deterioração do debate. Nem o "meu" blogue lhe servirá para lhe prestar esse serviço.
A continuar neste tom não terei outro remédio senão censurá-lo, a não ser que utilize identificação válida e nº de BI para assinar sob sua responsabilidade os "textos" que aqui escreve.
Entendido?

Paciência de Job disse...

Quando estão a ser doados bens a museus nacionais, tudo bem.
Mas neste caso foram feitas doações a um museu que está em mãos de particulares,as pessoas que fizeram a doação tinham conhecimento destas questões?
Porquê levantar a questão ,quem irá explicar,quando todos sabemos quem deve explicações.
Dr. Manuel Ramos nunca tive intenção de o ofender nem a ninguém ,mas este tipo de abordagem que fez, deixou-me tão furioso quanto parece que o deixei a si.
Muito me espanta a sua postura,toda esta situação revolta,e ninguém apresentou ainda uma solução.
Já não à forma de ter qualquer tipo de esperança numa representação digna dos interesses da população,triste realidade.

Este tom é o meu tom,não necessita censurar mais do que já fez.
Vou continuar a visitar sempre o blog,mas visto se sentir tão ofendido com as minhas observações ,não vou voltar a incomodá-lo.

Paciência de Job disse...

Só mais uma pequena observação para repor a verdade,eu não sou um sr.,sou um homem do povo.
O dr. Manuel Ramos sim,é um sr.,um sr. de verdade.

Saudações.